Inanição política: uma resposta a Mário Assunção

 
 Vereador Mario Assunção
Foto: Câmara Municipal de Caxias

Em um artigo publicado em sua coluna no Portal Noca, intitulado: "Pandemia e politicagem", o vereador caxiense Mário Assunção (Cidadania), faz críticas ao que ele classificou, de forma genérica, como sendo "picuinhas políticas". O texto do edil destaca o fato de que em grupos de WhatsApp, muitos atores políticos - possivelmente seus adversários - estariam se desentendendo em face da questão referente a supostas doações de itens básicos feitos pela prefeitura e outras entidades. 

Pelo que se abstrai da leitura do texto, a crítica do vereador se deve ao fato de que, muitos dos agentes políticos a que ele se referiu - sem citar nominalmente - são, como dito, possivelmente, seus adversários e estariam tecendo observações negativas à maneira apática que os detentores de mandato tem se comportado durante a pandemia - o que aliás, já foi também aqui apontada em postagem anterior.

É importante observar, no entanto, que o vereador por falta de argumentos lógicos e que estejam calcados em fundamentos institucionais, apela para um discurso vazio e emocional, confundindo ações políticas efetivas - que deveriam ser visíveis  e robustas no sentido de atender ao povo sofrido de Caxias - com práticas de caridade, as quais são fruto da liberalidade de cada indivíduo ou de instituições sem vínculo estatal. 

Ele erra ao pensar que o Estado faça caridade, não, o Estado cumpre, no caso do Brasil, aquilo que está na Constituição Federal de 1988, ou melhor, deveria cumprir, visto que, o que está expresso no texto constitucional ainda é pouco praticado no país por uma série de razões que fogem ao escopo deste texto explicá-las.

Na sua pobre e sofrível argumentação, o parlamentar, ao condenar as atitudes caridosas - ou supostamente caridosas - dos agentes políticos sem mandato, faz um desabafo:

"Em minha opinião, quando a pessoa quer fazer algum ato de caridade deve ser sem nenhum tipo de privacidade (sic), caridade não rima com campanha de marketing. Outra coisa, os detentores de mandato eletivo têm várias restrições da lei eleitoral com relação a doações e coisas similares".

Bem, não custa nada enfatizar mais uma vez, que não cabe aos vereadores ou quaisquer outros políticos (deputados, senadores, prefeitos, governadores e presidente) fazerem caridade com o poder do Estado, com o dinheiro público, pois, como dito, a caridade é algo de natureza pessoal. Cabe ao Estado representado em seus Três Poderes, entre os quais, se inclui, obviamente, o Poder Legislativo Municipal, atuar institucionalmente para atender as necessidades do povo.

Criticar a falta de atuação efetiva dos vereadores por deixarem o povo caxiense abandonado em meio a uma crise sem precedentes, não é apenas algo moralmente legítimo, como constitucionalmente necessário. Os vereadores de Caxias devem atender ao povo naquilo que a Constituição lhes obriga enquanto parlamentares, pois, são eles que segundo o artigo Art. 31/CF/88, devem fiscalizar o município, ou seja, as ações dentro do âmbito do Poder Executivo Municipal, incluindo, obviamente, aquelas de combate ao Covid-19.

É dever ainda dos parlamentares observarem todo o arcabouço jurídico pátrio relacionadas com suas funções, o que inclui, notadamente, a Lei Ignorância Municipal, de modo que, o proceder de vereadores está contemplado dentro do ordenamento jurídico não sendo necessário gambiarras ou argumentos falhos para tentar se eximir de suas responsabilidades. Assim, é vital que gritemos em alto e bom som: Não, senhor Mário Assunção, o senhor e seus colegas não estarão prestando nenhuma caridade ao povo ao cumprirem aquilo que lhes é determinado pela Lei Maior! 

Além do aspecto legal apontado acima, é importante elencar ainda, que os vereadores recebem altíssimos salários, bem como, inúmeros benefícios que a maioria esmagadora da população brasileira se quer sonha e, portanto, o mínimo que podem fazer para que sejam dignos dos cargos que ocupam, é cumprirem suas funções de maneira proba e eficiente.

No tocante à questão da legislação eleitoral referida por ele, como sendo empecilho para ações por parte dos detentores de mandato, ele também usa argumentos sofísticos, pois, a legislação eleitoral em nada muda o artigo 5º da Carta Maior, onde os direitos fundamentais de cada cidadão, inclusive, o dos vereadores, são invioláveis, o que significa que qualquer parlamentar pode sim fazer caridade, desde que, obviamente, não utilize o dinheiro público e nem com fins de interesse político ou que se enquadre naquilo que se entende, sobretudo, em períodos de campanha eleitoral - o que não é o nosso caso ainda - em abuso de poder econômico. 

Algo que se deve pontuar nesta questão é que, o vereador enquanto pessoa física, pode fazer caridade a quem desejar e como parlamentar, não apenas pode, como deve cumprir a obrigação imposta pela sua função legislativa, no tocante a desenvolver ações que façam com que o direito do povo  seja assegurado.  Ressalte-se ainda que as prerrogativas do cargo de vereador, a saber, legislar e fiscalizar, não podem, de maneira alguma, serem vistas como uma espécie de favor! Ademais, acrescente-se a isso que, a legislação veta utilização do cargo para fazer supostas caridades  para com isto barganhar votos. Obviamente, que ele e seus colegas sabem a diferença abissal que tem uma situação da outra.

O vereador apela ainda para o uso inadequado de um trecho bíblico. Eis o que escreve: "Na bíblia existe uma passagem que diz que o que você dá com a mão esquerda nem a mão direita deve saber". Por que o uso do texto é inadequado em tal contexto? Simples, o trecho da Bíblia se refere de fato a caridade, algo pessoal não relacionado com as ações estatais, que como já elencado, nada tem a ver com caridade. Se ele como indivíduo fizer uma caridade, que leve em conta este trecho da Bíblia, porém, quando ele como parlamentar atuar deve sim, por dever constitucional, publicizar, pois, se não o fizer, estará em desacordo com o que determina a legislação.

Ao encerrar o artigo, o vereador escreve algo que julgo sensato e que espero que se cumpra. Eis o que ele afirma:


"O povo saberá julgar quem se aproveitar das mazelas da humanidade para tentar se promover".

De fato, devo concordar com o vereador, existem muitos oportunistas que se colocam como heróis, verdadeiros salvadores da pátria nestes momentos de aguda crise, mas devo lembrá-lo, igualmente, que existem muitos que nada fazem ou fazem pouco e estes, espero,  também que não sejam esquecidos!

Portanto, a lição que devemos tirar da realidade que estamos vivendo é que a classe política de Caxias,  submete o povo a uma verdadeira inanição no tocante às ações políticas que possam trazer respostas firmes à crise. Até agora o que se viu foi um parlamento apático que simplesmente fechou as portas. As sessões e a atuação dos parlamentares tem por obrigação (força da lei) continuar, bem como, todas as funções relacionadas ao ato de legislar e fiscalizar, devendo-se apenas, ser feita uma readequação em face dos riscos de contaminação, mas jamais, em hipótese alguma, um abandono das funções precípuas dos parlamentares, como se enquanto o povo sofre, os vereadores ficassem de férias em seus sítios e chácaras como demonstrou um vídeo recente vazado nas redes sociais do mesmo vereador que fizera pouco caso do coronavírus.

É triste observar que um parlamentar com dois mandatos, participante da Mesa Diretora da Câmara Municipal de Caxias, com formação acadêmica superior e pertencente a um partido denominado "Cidadania", não compreenda - ou finja não compreender - o verdadeiro significado prático do termo cidadania. Mais triste ainda é lembrar que este mesmo parlamentar, em um grupo de WhatsApp, já teve por prática, uma postura bastante vaidosa, de se considerar em Caxias, uma espécie de Primeiro-ministro. Que felicidade é para nós ainda estarmos no presidencialismo, pois, parlamentarismo em nada combina com uma visão tacanha de uma política calcada no clientelismo ou práticas assemelhadas.

   

 Notas Bibliográficas:

Portal Noca. Pandemia x Politicagem. Disponível em:<http://www.noca.com.br/mario-assuncao/coluna/313-pandemia-x-politicagem> Acesso em: 18 de abril de 2020.

Planalto.  Constituição Federal. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em:
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